domingo, 2 de fevereiro de 2014

Kurt Cobain, Eduardo Coutinho e intervenção precoce

Hoje eu vi a notícia da morte do cineasta Eduardo Coutinho. Ele foi encontrado morto a facadas em seu apartamento no Rio de Janeiro e o maior suspeito do crime é seu filho "esquizofrênico", o qual supostamente também infligiu de morte a madrasta e a si próprio, em uma tentativa de suicídio. Em breve, o relatório da justiça (talvez, como usual, em nada) nos ajudará nas reflexões decorrentes de tão violento crime.
Eu postei meu lamento a tantas vidas que precisam ser arruinadas pela "esquizofrenia", talvez por falta de escuta, de cuidado e de "intervenção" precoce, o mais cedo possível.




Estou com Winnicott quando ele diz que as doenças mentais mais graves referem a uma deficiência ambiental proporcionalmente grave e precoce. Entendo, certamente, o "grave" e o "precoce" como termos insuficientes e mal esclarecidos, mas tendo a aproximá-los de intolerável para as tendências antissociais e impensáveis para as psicoses. Algo como os jogos intoleráveis que vemos em famílias que geram pessoas criminosas e jogos impensáveis que vemos em famílias de pessoas "esquizofrênicas". Não raro me vejo às voltas com o pensamento: por tão pouco, por algo tão ínfimo, por tão pequeno trunfo, essas pessoas são capazes de sacrificar não só a saúde mental de seus filhos, mas, muitas vezes, suas próprias saúdes mentais e físicas?
O afeto de um terapeuta é importante ferramenta clínica, mas precisamos todos de irmos além do lugar comum de nosso afeto mais imediato. Muitos de nossos colegas estão, hoje, às voltas com o cuidado clínico de pessoas que cometeram crimes considerados como "hediondos", talvez porque conseguimos ver as pessoas - e os sistemas - para além de nossos afetos imediatos em relação aos crimes. Empatia com os criminosos, em alternativa à empatia às vítimas, talvez? Podemos ver como um grande auxílio às vítimas um estado que promulga e promove a Lei Maria da Penha, por exemplo, como o nosso? Sim, ainda há grandes avanços a serem feitos em relação ao cuidado de vítimas de crimes, sem dúvida. Mas há poucos os que se comprometem ao cuidado dos criminosos. Ou dos loucos em geral, seja lá se cometeram crimes audíveis o suficiente para infringirem a lei, ou não.
Lembro-me de me considerar, por muito tempo, uma "terapeuta de família por outorgação". Era "obrigatório" que nós fôssemos terapeutas de família, em ordem a entender minimamente, na clínica, essa coisa de alguém não ser louco porque quer - mas sim por não haver alternativa. E, durante esse tempo, aquela empatia pelo "pobre louco que não tinha escolha" e transformou em um ódio em relação aos sistemas que o transformavam em louco. Esquizofrênico ou psicopata, as classificações psiquiátricas foram ganhando o sentido de estruturas que serviam a um propósito político sinistro.
Depois de trabalhar com algumas famílias e compartilhar com elas um pouco do sofrimento sistêmico a que todas elas estavam comprometidas, algo se revelou para mim. Não somente o concreto do que Freud dizia que era impossível "terapeutizar", mas que o necessário era cuidar o mais cedo possível. Não à maneira dos psiquiatras da intervenção precoce, certamente, porquanto estes se preocupavam em intervir no desaparecimento de sintomas em um indivíduo bastante jovem, mas de cuidar de pessoas, de famílias, de seu convívio social e econômico, muito antes da necessidade do aparecimento de sintomas.
Hoje um amigo me perguntou - "sim, cuidado precoce, legal. Bom que a maior parte de nós não tenha que se ver às vezes com problemas tão complexos quanto a natureza da realidade ou se nós estamos mesmo neste mundo. Mas a humanidade nunca se conteve com isso. O sofrimento grave é realmente algo horrível e devemos pensar se há algo passível de mitigar as enormes angústias que levam pessoas a cometer tantos crimes horrendos quando o assassinato de Coutinho. Mas há grandes mentes, grandes almas, que levaram seu sofrimento ao que se pode chamar de Nirvana. Ou ao que Kurt Cobain fez com sua pobre curta vida".

http://kosmo.hubpages.com/hub/Was-Kurt-Cobains-Death-a-Group-Effort

Eu não me arriscaria a dizer que eu poderia ter intervindo - ou cuidado - precocemente na vida de Kurt Cobain - ou de qualquer pessoa. Acho que a questão que meu amigo levantou é mais ética - como uma ética em combate à moral que se esconde sob a fachada do "poderíamos", ou "deveríamos". E acho que ele me denunciou com amor o que ele espreitava no meu discurso: uma moral facilmente detectável.
Alguma coisa na vida pode ser "melhor" ou "menos sofrível" do que o suicídio ou o homicídio? No mesmo dia em que vi anunciada a morte de Coutinho, Philip Seymour Hoffman também foi anunciado morto. Sem o mesmo mistério da morte do cineasta, a causa mortis do ator estadunidense foi anunciada claramente: overdose de heroína. Morto aos 46 anos, o ator segue uma longa lista de pessoas que eu admirava e que foi morta pelo mesmo motivo. Um tipo diferente de suicídio do que a tentativa do filho de Coutinho, ou de Kurt Cobain, mas inegavelmente, uma negligência tão grande quanto. Como a de Amy Winehouse, e da galera dos "27".

https://www.youtube.com/watch?v=toNVTf7Lqig

Em uma tentativa humilde de compreensão da loucura humana que perpassa o crime, o suicídio e o abuso de drogas, não posso deixar de ver laços entre os alienados. Mortos talvez por alienação - não que nós todos não morramos disso, mas deixemos os fatalistas de lado, por enquanto. O fato é que pessoas muito jovens foram mortas - talvez por falta de cuidado, talvez por terem perdido as esperanças de encontrá-lo. Algumas sem tanto loucor trágico, algumas mortas em vida. Não podemos mais intentar encontrar alguma "causa" individual, em algo que há de ''errado" nessas pessoas.
E quanto à cura? Só a mudança muito longa, aquela que vai até os macrosistemas ou mesmo ao macrocosmo? Bem sei que, em mim, a cura/cuidado remete ao ideal, alguma redenção benevolente antes da morte que dá algum sentido à existência. Será que mitigar - ou mesmo elaborar em níveis muito primitivos - o sofrimento impensável de pessoas cuja existência é radical demais seria mesmo algo passível de atingir - ou mesmo desejável?
Poderia eu - "normal" que sou - ter intervindo na família de Kurt Cobain a ponto de ele ter desistido da música - sombria - e se tornado contador, vivendo uma vida medíocre, mas feliz? E se eu o pudesse, o teria feito, mesmo sabendo da imensa influência, transformadora individual e historicamente, que sua morte provocou em milhares de jovens, incluindo a mim mesma? E quanto aos Coutinhos? E aos Nietszches ou Kierkegaards, ou Morrisons? Cairemos em um redundantismo do tipo: é um gênio, deixe-o sofrer e nos beneficiemos quando ele morrer? Como escolhemos os "gênios" e os "pobres coitados" de quem só queremos afastar o Nirvana?
Que a morte ou o ostracismo do esquizofrênico crônico são legítimos, não tenho dúvidas. São resultado de um longo processo "esquizofrenogênico". Só posso me recordar do caso acompanhado por Winnicott em que uma jovem pede sua ajuda clínica - não para ajudá-la a não cometer suicídio, mas para ajudá-la a cometê-lo pelo motivo certo. Winnicott diz não ter dado conta disso, tamanha sua crença na vida e no amadurecimento: sua paciente acabou "morrendo pelo motivo errado".
Eu não sei. Mas de "eu deveria ter feito" em "eu não deveria ter feito", eu só tenho o momento presente. E um simples " isto me causa muita angústia, por isso..." não me parece o suficiente.

domingo, 5 de maio de 2013

Elsa Dias - A cura como cuidado e como ética


Dias, E. O. (2010). O cuidado como cura e como ética. Winnicott e-prints,  5(2), 21-39.

Conexão entre transtornos emocionais de bebês e distúrbios de tipo esquizofrênico: lhes falta um sentido de realidade do si-mesmo e do mundo em que vivem.
"Não fazem parte da vida, mas sim da luta para alcançar a vida" (1990/1988, p. 100)

"Pairam permanentemente entre o viver e o não viver, forçam-nos a encarar este tipo de problema, problema que é próprio não apenas dos psiconeuróticos, mas de todos os seres humanos" (1967/1975, p. 139)

Qual o valor da vida?
Sobre o que versa a vida?

Não vale a pena apenas estar vivo, fisiologicamente.
Sentimento de estranheza ao estar vivo ou de não terem chegado ainda ao começo.

"Pernicioso significa qualquer coisa falsa, como o fato de estar vivo por condescendência" (1984b/1987, p. 116) - existência não reconhecida ou legitimada, para a qual o ambiente não abriu o nicho necessário de adaptação ativa que permite chegar ao começo de tornar-se I AM não como nascimento biológico, mas ontológico. Algumas pessoas vagam pelo mundo como almas penadas.


"Não ter nascido ainda e ver-se já obrigado a passear pelas ruas e a cumprimentar pessoas" ou "Hesitação diante do nascimento. Se há uma transmigração de almas, a minha ainda não atingiu o grau mais baixo. Minha vida é uma hesitação diante do nascimento" (Franz Kafka, 1985, pp. 537-554)

Questão ética quanto ao suicídio: vale permanecer vivo apenas por complacência (Flexibilidade de caráter que se acomoda ao gosto e vontade doutros)?

Agonia impensável da ruptura da linha do ser.


Ética em Freud
"Há de se deixar subsistir, no doente, necessidades e aspirações, como forças que impelem para o trabalho e para a mudança, e evitar apaziguá-los com substitutos" (Freud, 1915, p. 168)

"Ora, se o sofrimento que advém da frustração é o fator propulsor do tratamento, então é preciso, 'por muito cruel que isto possa parecer', manter o paciente em estado de frustração: 'Na medida do possível', diz Freud, 'o tratamento analítico deve ser executado em estado de privação - de abstinência'"

Problema do infantilismo: erro econômico. Oferecer mimos é como oferecer novos sintomas onde o paciente possa se resguardar quando a vida ficar difícil.

Na teoria do amadurecimento, mais do que infantilismo, nos preocupa a imaturidade. "Quando recebe o que necessita, o bebê winnicottiano, assim como  opaciente, incorpora os cuidados ambientais, e vai em frente" (p. 28).

"Sempre esperamos que nossos pacientes terminem a análise e nos esqueçam: e descubram que o próprio viver é a terapia que faz sentido" (Winnicott, 1969/1975, p. 123), talvez assim como a mãe suficientemente boa. Não seria esquecida, ao menos não completamente, mas também não significa o refúgio seguro para todos os problemas da vida, e sim uma pessoa querida.

Em princípio Winnicottiano, a psicanálise freudiana seria, em alguma medida, sempre interminável, já que o aspecto quantitativo (econômico) do desejo é incontrolável.


Ética em Winnicott

Autonomia é também caminho para a saúde

“Seria muito agradável se pudéssemos aceitar apenas pacientes cujas mães foram capazes de proporcionar-lhes condições suficientemente boas no início e nos primeiros meses. Mas esta era da psicanálise está inexoravelmente chegando ao fim” (1955d[1954]/2000, p. 388)

A questão, para os psicóticos, não é tão o prazer ou a frustração na impossibilidade de alcançá-lo, mas a realidade ou irrealidade da existência.

Na teoria winnicottiana, o ser emerge do nao-ser, o humano jamais ultrapassa a solidão essencial e a sua existência e sentimento de si são precários e vulneráveis. Mais ainda, a própria existência, como a integração e o senso de ser são transitórios. O esvaziamento do sentido da vida e a traição de si mesmo são ameaças, riscos constantes, para todo e qualquer indivíduo humano. Assim sendo, o que cabe aqui, mais além da ética da autonomia, é a ética do cuidado.

Ressonância com Heidegger

---A ética do cuidado
Mais do que um  tratamento por inclusão de elemento e consequente desfecho bem-sucedido, cura significa cuidado.

O tratamento é importante, mas não deve perder de vista o cuidado, o qual envolve dependência e confiabilidade.

Saúde é muito mais do que a ausência de doença, ou o silêncio do órgãos. "Uma pessoa, muitas vezes, necessita adoecer, seja por precisar de um descanso da tarefa de viver, seja porque estar doente é, num dado momento, mais real do que uma saúde empostada e falsamente mantida" (p. 32)

O querer ajudar, com Heidegger, trata sempre do ajudar a existir e não de ajudar a fazer algo voltar a funcionar bem.

Para Winnicott, "Os distúrbios mais insanos ou psicóticos formam-se na base de falhas da provisão ambiental e podem ser tratados, muitas vezes com êxito, por uma nova provisão ambiental" (1963/1983, p. 205).

Criar e manter um lugar protegido, uma amostra de mundo encontrável e previsível, em que ele possa começar a ser.
Poderá ser necessário dar sustentação a períodos em que o indivíduo regrida à dependência, abandone o esforço de existir e se entregue a estados primitivos, amorfo, desorganizado e não existente.

Bondade original: "alguém se deu ao trabalho de saber o que eu precisava para continuar a ser sem necessidade de reagir, antes mesmo que eu própria soubesse e, muito menos, que eu pudesse comunicar em palavras ou signos inteligíveis para os adultos" (p. 33-34). Não se trata de uma bondade indulgente, mas na capacidade de se identificar com o bebê, estar disponível para compreender suas necessidades profundamente e ter uma vontade genuína de ajudar; ajudar a existir e não a "consertar" ou a "voltar a funcionar" --- Ter vontade genuína de ajudar: interessam as motivações internas profundas que vincularam o analista à clínica desse tipo de paciente!

"O que é bom na bondade é que os cuidados deixam-se pautar pela necessidade do bebê ou do paciente, e não pela necessidade da mãe ou analista" (p. 34) - capacidade de se identificar com o outro e ser capaz de deixar que ele adoeça, se isto for necessário, e de tolerar o processo de cura.

A interpretação pode ser invasiva: "interpretação fora do amadurecimento material é doutrinação e produz submissão (1968/1975, p. 75).

No entanto, cumpre ressaltar que bondade e maldade têm aqui, como em qualquer outro lugar, sentidos transitórios. Tornar temporariamente doentes pessoas que funcionavam bem, embora a alto custo, é decorrência de bondade ou maldade? Pois este pode ser o preço da regressão à dependência e da cura.

"Seja qual for a natureza do problema que aflige o paciente, ele é outro /ser humano/, como eu mesma, e estamos ambos no mesmo barco, lançados, sem fundamento, na incumbência de existir" (p. 35)

"Deixar ser o outro como é e como pode ser" (p. 36)


Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.

Winnicott, D. W. (1983). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas.

Winnicott, D. W. (1987). Ausência de sentimento de culpa. In D. Winnicott (1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes.

Winnicott, D. W. (1988). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes.

Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago.

D. W Winnicott (2000/1958a). Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Peirce e uma semiologia para além da sintomatologia


Martins, F. (2005). Psicopathologia I - Prolegômenos. Belo Horizonte: PucMinas.

Capítulo 7 - Por uma semiologia mais além de sintomatologia: qualificando Peirce.

A semiologia psicopathológica é similar às estrelas que brilham no céu escuro: emitem sinais, aparentando serem astros, sóis que enviam luz. Os corpos celestes, à noite, parecem 'estrelinhas'. Sabemos de longa data, pela simples observação dos movimentos dos astros, que nem todas estas estrelas são iguais. Existem planetas e outros astros que não emitem luz própria e que se movimentam. (...) Não recusamos o brilho das estrelas como possibilidade primeira de investigação do cosmos. Esse brilho é um signo que os físicos, mesmo hoje, não desconhecem. De modo similar, os clínicos, investigando os signos específicos, não poderão confundi-los com as explicações, com a causalidade. Ou seja, consideramos a ordem das aparências, exemplificada aqui como a dimensão semiológica, sem com isso confundi-la com o saber constituído ou que venha a se constituir (p. 231)

A semiologia passa do exótico, anormal e excêntrico, para o mais cotidiano e próximo, "exigindo uma maior relativização daquilo que era julgado exceção".

Uma semiologia geral ou semiótica visa ultrapassar os fenômenos apenas como sintomas, numa perspectiva puramente causalista, para propiciar o entendimento de fenômenos portadores de sentido e de história.

Superar a oposição natureza/cultura, dado que cultura é plenamente constituída pela natureza humana.

O ser humano produz signos que têm sentido.

Sentido: o que alguém quer dizer com tal signo?
Qualificar é localizar na história e na humanidade

----A depender do tipo de pesquisa, a resposta naturalistica é mais fácil de aceitar e mais prontamente referida com tom de verdade

Melhor não ver do que sofrer diante de signos perturbadores, anunciadores do desconhecido, realizando-se através da dicotomia natureza/cultura o isolamento de semiologias diferentes (p. 235)

--Na psicopatologia clássica, contudo, essa dicotomia parece atenuada em um erro lógico não questionado: linguagem é natureza por ser inerente ao cérebro humano, expressão do pensamento e do que ocorre ao cérebro (como o exemplo das afasias).

Mas este tipo de explicação é insuficiente e pouco precisa, além de englobar apenas uns poucos fenômenos e deixar de lado uma das maiores aspirações da ciência: a generalização coerente e possível.

Assim, a psicopatologia se torna algo muito impreciso e subjetivo e os psiquiatras não dispõem de instrumental teórico ou técnico para enfrentar os problemas que enfrentam.

É necessária uma lógica no processo mesmo de conhecimento e qualificação dos fenômenos, como a proposta pela semiótica de Peirce.

Charles Sanders Peirce: semiologia (semiótica, lógica)+fenomenologia.

Saussure: signo=significado+significante (na linguística, i. e., anterior à semiologia).

Barthes: "É a semiologia que é uma parte da linguística" - só é possível tratar de fenômenos e de signos quando dispomos da linguagem simbólica, não existe sentido em outros códigos que não o da língua, a qual existe fatos naturais (como o aparato corporal).
Necessidade de superaçaõ das oposições dialéticas

"A linguagem é o meio onde emerge o Ser, é sua casa, sendo assim condição lógica para existência de todas as ciências" (p. 236)


**Categorias fenomenológicas de Pierce

A phaneroscopia é a descrição do phaneron. Por phaneron, entendo a totalidade colectiva de tudo aquilo que, de qualquer maneira e em qualquer sentido que seja, está presente
ao espírito (mind), sem considerar de nenhuma maneira se isso
corresponde a algo de real ou não.
http://semiotica.com.sapo.pt/textos/sem03.pdf

A qualidades exigidas na categorização fenomenológica de Peirce são:
"Ver o que está diante dos olhos, como se apresenta, não sibstituindo por algumai nterpertaçaõ (...); discriminação resoluta (...) daquela característica; poder generalizador"
***pressuposto de retorno à experiência

3 tipos de consciência
-Sensorializada (sensibilidade): primeiridade
-Representada (reatividade): segundidade
-Simbolizada (mediação): terceiridade

(o sentimento não é o afetar-se, sentir em ato, mas o sentir já pensado, substantivado u em elaboração como representação ou simbolização)

3 is a magic number: o número 3 é o que introduz a regra, a lei, a mediação (eu, mãe, pai/ mania, neurose+perversão e psicose/ comprimento, área e volume/ amor, culpa e reparação/ Ser, txf e lógica)

Primeiridade
-presentness, suchness, sensação, imediatidade. "qualquer qulidade de sensação, simples e positiva". Presente eterno.

Segundidade
-possibilidade de reagir à sensação, de representar (sonho sem palavras: esforço): duas coisas em relação, sem meio ou mediação. O passado modifica o presente.



Terceiridade
-mediação, processo, predição do futuro por intermédio de lei geral

1-Representamen: 1-ícone, 2-índice e 3-símbolo
2-objeto: 1-qualisigno, 2-sinsigno, 3-legisigno
3-interpretante: 1-remático, 2-dicente e 3-argumentativo

(qualificar quadro p. 254)

3³ possibilidades de sigo; sem as redundancias, 10 tipos.

111
211
221
222
311
321
322
331
332
333

Um só tipo de signo (3-3-3) mostra o que seria a relaçao por pebsamento.
Ou seja, a comunicacao plena, efetiva, nao é a regra, embora desponte como ossibilidade. O equivoco e a incompletude sao a regra (1-1--1; 1-1-2; 1-2-3...)

A clínica exige o entendimento de signos causais, tais como os índices, e exige o reconhecimento da existencia de signos em quye o sentido, e nao mais a causa, é o fato primordial.

A linng~ se da de forma sígnica, importancia do pré-simbólico nas disposicoes mais radicais, primevas e incs.
Os sintomas, mais do que unívocos, principalmente os da ordem do psiquico e do social, são tambem do registro do equívoco e da aparencia.
Assim sendo, a elucidação desdes deve se dar no solo de uma teoria que vise elucidar a variacao inevitavel que o campo da palavra comporta (260)

A comunicação é um milagre. Na tentativa de tornar comum,
o significante só adquire sentido dentro daquele que está recebendo e o reconstruindo ao seu modo e sem uma intencionalidade prévia. Desde que todos queiram entrar em contato, com o mesmo código e todas as condições de redução de ruídos aceitas, ainda assim o que é construído como sentido por cada um não está garantido (267)



Capítulo 8 - Semiologia psicológica: a abertura do campo clínico psicológico

Excepcionalidade da semiologia sindrômica

Tabela 8.1 - Tipos de semiologia segundo tempo, espaço e signos (273)
*Tipo de semiologia:
Sindrômica enfatiza a descontinuidade X Psicológica enfatiza a continuidade
*Tempo
Excepcionalidade (crise) X Cotidiano
*Espaço
Especial (asilar) X Comum
*Signos
Específicos, indiciais (pertencem a um saber estabelecido) X Genéricos: índices, ícones e signos (nem sempre mediados por um saber estabelecido)

O foco na exceção coloca o sujeito-objeto investigado pela psiquiatria clássica como portador de excepcionalidade (natural ou cerebral), em confronto com uma norma estabelecida ou imaginada pelo investigador. Por isto, pode-se questionar se não existe intencionalidade prévia dentro daquele que recebe e interpreta um signo.

Criação de espaço intermediário entre o asilo e o domicílio, mais próximo do cotidiano, onde a fala do indivíduo é privilegiada em primeiro lugar.


Dupla injunção ética em psicopathologia clínica:
1 - o tempo deve ser devolvido ao paciente em sua plenitude;
2 - o paciente deve e pode ir e vir quando quiser (não enquanto exceção, só hoje, mas como disposição fundamental)

As restrições de tempo e espaço ocorrem principalmente nas síndromes psiquiátricas mais graves, como as psicoses, as quais teriam consequências mais funestas.
A semiologia da crise é sem dúvida um dos reveladores essenciais do sujeito. Contudo, é elementar a existência de outros tempos antes, durante e depois da crise. Mesmo durante o chamado tempo de crise o sujeito tem acalmias. Muitos dormem, sonham, passeiam e produzem inúmeros signos julgados normais por todo e qualquer mortal (p. 275)

"Cabe perguntar: o que ocorre fora do tempo de crise"?
- produção de inúmeros tipos de signo, pertencentes mais além da clínica da crise
- os sintomas portam uma mensagem que não pode ser dita e que, por vezes, o próprio sujeito desconhece (sintomas simbólicos)
- as diferentes manifestações assim chamadas psicopathológicas se transformam no tempo e no espaço, signos que também se transformam a depender da pessoa que entra em contato com eles.




sexta-feira, 19 de abril de 2013

Delimitação e gerenciamento da crise psíquica grave: em busca de parâmetros


Costa, I. I. (2013). Delimitação e gerenciamento da crise psíquica grave: em busca de parâmetros. In I. I. Costa. Crise Psíquica Grave e Intervenção Precoce. Editora: Brasília. (Artigo aceito para publicação).


Não cuides nem das horas nem dos anos,
mas dos instantes e do agora cuida apenas;
cuida de cada um deles, vive-o todo,
como se o único fosse, ou o derradeiro.
(Daniel Lima)


Crise: modo de decisão que pode tornar a vida melhor ou pior.
"um momento de desequilíbrio que evidencia a necessidade de um tipo de mudança, mais ou menos radical, em um dado processo (Nepomuceno, 2012).

Os pródromos são os primeiros sinais, nem sempre sintomáticos, de algo como "pré-psicose" ou prévios ao sofrimento psíquico que podem ou não evoluir para uma psicose.

Terceiro sentido do termo na fenomenologia (Husserl): intencionalidade da consciencia, não há consciência no vazio.

"Aprendi que é natural ter crises e o melhor a fazer é vivê-las com todas as suas implicações" - Cora Coralina.

O termo sofrimento psíquico grave se refere a toda manifestação aguda da angústia que não tem sido bem compreendida.

Compreender a crise como um acontecimento essencialmente fenomenológico e não apenas sintomatológico e nosográfico: necessidade de oferecer processo de possibilidades de esturutraçaõ e de estar ao lado, clinicamente.

Desafios filosóficos
a) Buscar superar a classificação nosográfica, empiricista, categorial e sindrômica das classificações psiquiátricas, que se pretendenm ateóricas (equívoco);

b) apontar para fenômenos existenciais, fenomenológicos, de cunho interno, relacional, dinâmico (subjetivos, psíquicos) da angústia, de contradições na estruturação psíquica, do sofrimento;
c) resgatar a dimensão "normal" do sofrimento humano.

O que é tradicional? Urgência psiquiátrica
Urgência e emergência: risco significativo de morte ou lesão provocado por fatores psíquicos.

A crise tem uma função precisa, é o momento de uma partição quando no cuidado tradicional: a pessoa é ou não doente mental?

Necessidade de cuidado de uma pessoa que, mais do que em demanda de manejo de sintomas graves, pede o desenvolvimento de novas saídas para sua ruptura, novas estratégias para enfrentar o sentimento de ser estranho, estrangeiro em sua própria terra, de ser julgado um bizarro por seus próprios pares.

A crise é ponto de corte
a) da pessoa em si;
b) daqueles a que se remetem as consequências da crise

Interpretação de sinais identificados nos comportamentos não usuais, habituais. Se relaciona ao padrão de comportamento, mais do que ao comportamento em si -- Mais do que uma pessoa que é agressiva, violenta, estranha, que quebra as coisas, uma pessoa em crise tornou-se agressiva, algo alterou-se em sua vida que lhe causou sofrimento intenso e a necessidade de quebrar as coisas.

Mas quem aponta, quem define a crise são as pessoas que acompanham de alguma forma a pessoa em alteração. São elas quem identificam a diferença e acionam o serviço (psiquiátrico, por falta de melhor referência do que seja saúde mental?), quem transformam a crise em urgência psiquiátrica.

O atendimento à crise é o ponto de máxima simplificação da complexidade da existência e de sofrimento que uma pessoa reduziu a um sintoma. Quando um serviço de atendimento à crise trata somente o sintoma, deixa de lado a enorme complexidade ali reduzida e se torna incapaz de compreender a dimensão humana do que estão "tratando". Isso porque, se a crise é prenúncio do agravo do estado disruptivo de uma pessoa, ela pode ser elemento de "predição" de uma "doença mental" e seu tratamento implica duas possibilidades:
a) a adaptação à norma, "voltar ao normal" ou
b) reproduzir uma subjetividade doente, rumo à cronificação.

Os mecanismos tradicionais de cuidado da crise não englobam, portanto, a visão de possibilidade de transformação e demanda de mudança, como ora propomos. Se a crise desencadeia um sistema de serviço de urgências e emergências, a necessidade de assistência imediata e complexa, se ela reduz em sintomas uma complexidade existencial, ela também traz para jogo a imprevisibilidade. Mas "crises difíceis" não são coisa de psicólogo ou assistente social, tem coisas que é "só com o psiquiatra mesmo". Mas lidar com a crise não é uma questão de lugar, mas de atitude clínica compatível com as exigências (por certo muito altas e complicadas) do indivíduo, sua família e quem quer que substitua o hospital psiquiátrico. Esse tipo de crença reforça a necessidade, no imaginário social, de manitençaõ do manicômio como espaço especializado.
Representações sociais negativas do louco, do drogado e do "louco infrator", decorrentes de estigmatizações advindas do cuidado tradicional: excludente e rotulador.

Todas essas questões levantadas colocam em xeque o cuidado tradicional e enfatizam uma ética do cuidado, aproximam um tipo de atenção à pessoa em crise e a sua família, mais do que manejo de sintomas de urgência psiquiátrica.


---Possíveis apontamentos, parâmetros a serem trabalhados de acordo com cada situação e modificados segundo as subjetividades historicizadas.
A relação é que é terapêutica e não a atividade.

-Crise não é diagnóstico: é potencialidade localizada em um contexto (Costa, 2012; 2013).
-Acolher e dar escuta à crise, aos indivíduos implicados e suas condições. O sintoma como símbolo do sofrimento que o indivíduo carrega (Oliveira, 2007; Costa, 2013).
-Capacitar para conhecer, escolher e combinar modalidades e recursos de intervenção (Lima, Santos Jucá, Nunes & Ottoni, 2012)
-Gerenciamento de caso, plano terapêutico singular. Cuidar do outro como condição a priori, pré-ontológica (Levinas, 2009).
-Reconhecer o humano como sujeito "de direitos e deveres", mais do que "objeto de intervenções" (Schmidt & Figueiredo, 2009).

Crise (Santos e Lima Filho, 2000)
-imprevisibilidade (a menos que previstas, mas mesmo assim suas características são flutuantes);
-ameaça metas de alta prioridade
-comprime o tempo (urgência)
-necessidade de postura não rotineira, planejamento especial abrangente

ou seja, aspectos de cuidado desconsiderados dentro da perspectiva tradicional


Necessidade de referências baseadas em evidências para subsidiar a prática

As pessoas envolvidas no cuidado sofrem de diferentes maneiras: familiares, profissionais, comunidade.

Tomada de decisão ética:
-qual o problema?
-alternativas possíveis?
-quem está envolvido?
-consequências em curto e longo prazo?
-valores e princípios relacionados

Todos na equipe podem ser gerentes de caso, ao relatar devem falar da interação estabelecida e compartilhar o entendimento que têm das condições e da possibilidade de plano unificado de cuidado. A NEGOCIAÇÃO é fundamental.

______________
Cuidado
-Ética da responsabilidade: quem cuida?
-Pensamento (afeto, interação) e planejamento: todos cuidam, mas como evitar a Torre de Babel dos profissionais da modernidade dissecada e marcada pela ruptura?

O cuidado de si é condição para o cuidado do outro (Foucault)
Para Heidegger, o ser humano cuida dos entes na medida em que deles se ocupa, insere-os em seu projeto existência. A preocupação não deve se antecipar à existência do outro por meio de normas ou modelos pré-estabelecidos cuja função de dominação é facilmente detectável. (((Será que isso contradiz Levinas, que afirma o cuidado como pré-ontológico?))). Antes, o cuidado atualiza as possibilidades de poder-ser: um cuidado muito antagônico às posturas tradicionais da psiquiatria.

Heidegger afirma a necessidade de articular o cuidado com as estruturas existenciais dos modos de ser no mundo, ontológicos, um ser lançado no mundo, desamparado, cuja única garantia é a impossibilidade que é a morte.

Ontológico, pois o ser humano é um ser-com-os-outros e se deve levar em conta isso no cuidado. A perfeição do humano é aqulo que ele pode, no exercício de sua liberdade, escolher como suas possibilidades mais próprias é uma "realização" do cuidado.

Sentido ontológico fundamental do cuidado - Heidegger!

Winnicott e o ambiente suficientemente bom que, por se identificar com o indivíduo e permitir-lhe a ilusão e a dependência, possibilita a continuidade do ser, não é intrusivo e permite o sentimento de ser real. A cura também se refere ao cuidado, para além da introdução intrusiva de um elemento curativo que se direciona à "exorcização" da doença (Winnicott).

Curar pode significar permitir o senso de ser e de continuidade do ser, a não traição do self: uma amostra de mundo encontrável e previsível em que o indivíduo possa começar a ser.

O ambiente suficientemente bom é acolhedor e confiável, fornece holding e permite que o indivíduo se sinta cuidado. Somente mediante a interação com este ambiente que o humano se torna saudável, capaz de concernimento e fé, mais do que pela simples introjeção da lei ou da "saúde" (seja por medicações ou interpretações rotulantes). É o campo do seio, mais do que o campo do pênis, que domina nos casos de psicose.

Seja qual for a natureza do problema que aflige o paciente, ele é outro ser humano, como eu mesmo, e estamos ambos no mesmo barco, lançados, sem fundamento, na incumbência de existir. (Costa, 2013, s.p.).


Para ler:
Dias (2010). O cuidado como cura e como ética.  Winnicott e-prints, vol.5, no.2, São Paulo.
Rocha, Z. (2011). A ontologia heideggeriana do cuidado e suas ressonâncias clínicas.  Síntese Revista de Filosofia, Vol. 38, Nº 120, pp. 71-90, jan-abr, Belo Horizonte.

A teoria do amadurecimento e o conceito de saúde


Golovaty, M. (s.d.). Os conceitos de sáude e doença à luz da Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott. Recuperado em 19 de abril de 2013, Psiquêvida, web site http://www.psiquevida.com.br/downloads/literatura1.pdf


A saúde, diferente da "fuga para a sanidade", é tolerante com a doença. Em muitas situações, é mais saudável ficar doente do que se mostrar invulnerável, já que a doença significa também permitir a regressão psíquica até o ponto do amadurecimento no qual ocorreu o trauma.
A teoria de winnicott abre muitas possibilidades para o trabalho preventivo, já que entende o amadurecimento como uma tendência inata do indivíduo, tornado possível pela adaptação ativa do ambiente. O amadurecimento em si, portanto, tem a direção da saúde, marcado pelo adoecimento em face das falhas do ambiente, não necessariamente por transtornos internos ao indivíduo.

Trauma: congelamento ou ruptura da continuidade do ser, causado por uma intrusão ou pela negligência de atendimentode necessidades essenciais.

Reagir: oposto de "ser", quebra na continuidade do ser que desencadeia a organização de defesas.

Linha do amadurecimento - continuidade do ser: o humano surge do não-ser, da não integração e se desdobra rumo à independência até, se tudo correr bem, a morte na velhice e a marca derradeira da saúde, que é o retorno ao não-ser (inorgânico)

Quando o ambiente falha, o indivíduo é levado a criar estratégias suas para lidar com os fracassos. Nas primeiras etapas do desenvolvimento, contudo, como na dependência absoluta (ou dupla) e na relativa, falhas importantes podem ser vivenciadas como traumas, algo que está além da capacidade cognitiva e afetiva do indivíduo em entender ou enfrentar. Nesses casoso ,os traumas repercutem de maneira muito nociva e por vezes irremediável no amadurecimento. São marcas indeléveis na linha do amadurecimento que podem formar pontos de "fixação" aos quais o indivíduo regride quando não consegue lidar com os fracassos do ambiente.


Dependência absoluta: em algum momento antes do parto, o "grande despertar".

A conceituaçaõ de dependência implica diretamente a provisão ambiental.

Manutenção da criatividade: o gesto espontâneo relacionado à criatividade originária, ou à capacidade inata de buscar algo desde dentro ou de fora. O indivíduo que precisar reagir demasiadamente faz o movimento oposto da continuidade do ser: é ele quem se adapta ao meio e organiza defesas responsivas ao ambiente. Cria um falso self que só serve para proteger o verdadeiro. Ele é tolhido de sua criatividade e pode parecer funcionar bem, mas lhe falta o sentimento de ser real. A sua existência está atrelada à reprodução de umar realidade artificial, sem espontaneidade e criatividade.

Instalação da psique no corpo

Realidade transicional.
Aproxima paulatinamente da realidade externa o bebê que começou a ser desilusionado.
I AM ALONE

Saúde é maturidade, maturidade é saúde
Capacidade para se preocupar